Temporada de 2024 do Sergipão Feminino começa neste sábado (23)

Com apenas dois times na Série C do Campeonato Brasileiro — o Confiança e, a partir de 2025, o Itabaiana —, o futebol sergipano enfrenta um constante adversário: a falta de investimento. Mas, quando se trata de mulheres que decidem jogar bola, o desafio é ainda maior. Em Sergipe, enquanto o futebol masculino conta com séries e categorias de base bem definidas de janeiro a novembro, o feminino é restrito a apenas dois campeonatos — Sergipano adulto e Sub-17 — que precisam comportar jogadoras de diferentes idades, desde meninas de 11 anos até mulheres de 20 anos ou mais, tornando a competição um mosaico de gerações.
As disparidades se tornam ainda mais evidentes quando é analisada a estrutura e as premiações de cada modalidade. Em 2022, o campeão sergipano masculino da Série A1, além de garantir as vagas na Copa do Brasil, Copa do Nordeste e Série D do Campeonato Brasileiro, recebeu um carro avaliado em R$ 100 mil. O vice-campeão, por sua vez, foi premiado com R$ 50 mil. Já no futebol feminino, de 2004 a 2024, a única recompensa permanece sendo uma vaga na Série A3 do Campeonato Brasileiro do ano seguinte.
“O prêmio é muito abaixo do masculino. A gente acaba relevando porque queremos jogar, mas ao mesmo tempo sabemos que estamos perdendo espaço aos poucos”, desabafa a jogadora do Lagarto F.C emprestada ao Barra F.C, Adrielle Santana.
Apesar de ambos os campeonatos serem organizados pela Federação Sergipana de Futebol (FSF), responsável também pela representação dos clubes do estado na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), as modalidades apresentam diferenças significativas em termos de estrutura, planejamento e investimento. O presidente da FSF, Milton Dantas, explica que a entidade tenta minimizar os custos das equipes, bancando apenas as despesas dos clubes mandantes nas competições. “Fica muito difícil para a entidade bancar uma equipe ou todas as equipes para disputar a competição. A federação já faz muito além da sua obrigação”, afirma.
O presidente informou que a Federação Sergipana de Futebol busca patrocínio para todas as competições. “Infelizmente não temos obtido êxito com exceção do campeonato sergipano da série A1 profissional”, concluiu.
Aspectos | Feminino | Masculino |
Inscrição de times na FSF | Gratuita | Pago |
Entrada do público | Gratuita com 1kg de alimento | Paga |
Presença do VAR | Não | Sim (em semifinais e finais) |
Premiação | vaga para a Série A3 do Campeonato Brasileiro Feminino | Um carro, no valor de R$ 100 mil para o vencedor. Para o vice-campeão R$ 50 mil. Vagas na Copa do Brasil; vaga na fase de grupos da Copa do Nordeste; vaga na Série D no Campeonato Brasileiro |
Duração do Campeonato | Menos de 1 mês | Três meses |
Patrocínio Estadual | Nenhum | R$ 2,4 milhões através do Banese |
Divulgação midiática | Pouca | Constante |
Período de organização | 3 semanas | de 2 a 3 meses |
Patrocínio master | 0 | 4 |
O fato de o campeonato feminino não oferecer premiação, enquanto o masculino é recompensado com carros e quantias em dinheiro, reflete uma disparidade que desmotiva as jogadoras. O Campeonato Sergipano de Futebol Masculino de 2024, contou com um patrocínio do Governo de Sergipe de R$ 2,4 milhões através do Banese. Uma estrutura que oferece segurança financeira e atrai mais atenção, tanto da mídia quanto de investidores. Em contraste, no futebol feminino, a realidade é bem diferente. Sem qualquer patrocínio ou investimento significativo, a competição enfrenta uma estrutura precária, com jogos programados à luz do dia para evitar gastos com refletores.
De acordo com a secretária de Estado de Esporte e Lazer de Sergipe (Seel), Mariana Dantas, o Governo do Estado reconhece a importância de promover a igualdade no desporto e trabalha para ampliar os investimentos na modalidade. “Temos um projeto em parceria com a Sedurb (Secretaria de Desenvolvimento Urbano) para construir areninhas esportivas em diversos municípios, que também atenderão à prática do futebol”, explica.
Embora a Seel busque ampliar investimentos, a realidade é que a Federação Sergipana de Futebol, até o momento, não solicitou apoio da Secretaria de Esportes para o Campeonato Feminino de 2024. “A equipe é que deve buscar patrocinadores ou condições para participar do campeonato”, afirmou Dantas, destacando a responsabilidade das equipes nesse processo.
Premiação
Durante uma reunião em 6 de novembro, a FSF anunciou que o Campeonato Sergipano de Futebol Feminino de 2024 contará com uma premiação de R$ 10 mil para o campeão e R$ 5 mil para o vice-campeão. No entanto, o regulamento de 2024 ainda limita a premiação a uma vaga na Série A3 do Campeonato Brasileiro Feminino, sem citar a quantia em dinheiro.

Além das premiações, outro grande desafio é a precariedade na organização do campeonato. Durante as edições de 2004 e 2005, o Campeonato Sergipano de Futebol Feminino ficou marcado pela sua curta duração, sendo conhecido como torneio entre as próprias atletas. Após ficar parado de 2006 a 2015, o campeonato retornou em 2016, mas tem sido realizado ainda de forma apressada, sem um calendário fixo ou uma divulgação. Neste ano de 2024, a FSF informou que os clubes inscritos na competição teriam apenas cerca de três semanas para se preparar. Essa falta de planejamento prévio compromete o planejamento e desenvolvimento das equipes e dificulta a atração de público, já que os jogos são agendados com pouca antecedência e em horários pouco favoráveis para os espectadores.
Infraestrutura e investimento em 2024
A falta de transporte adequado é outro obstáculo significativo. De acordo com Natali Coimbra, presidente do Estanciano Esporte Clube Feminino, duas equipes de futebol e uma de futsal, totalizando cerca de 50 mulheres, enfrentaram dificuldades para conseguir transporte para os jogos em Aracaju. A Secretaria de Esportes, por sua vez, justificou que não pode financiar o transporte das equipes devido ao grande número de modalidades que apoia.
Outro desafio é o calendário sobrecarregado, que coincide com o Campeonato Sergipano de Futsal. Muitas jogadoras participam das duas competições, o que as obriga a escolher entre o futebol e o futsal, limitando suas oportunidades de participação em ambas as modalidades e comprometendo o seu desenvolvimento esportivo. Essa sobreposição de calendários evidencia uma desorganização na estruturação que compromete não apenas a qualidade das competições, mas também o potencial das jogadoras.
A edição de 2024 será disputada em formato de pontos corridos, com cinco rodadas, seis equipes e três jogos por rodada. A maior parte das partidas foi agendada para o mesmo horário, sendo três rodadas às 15h15 e duas às 10h e 15h15. Essa logística reduz a presença de torcedores e dificulta a cobertura da imprensa.
A falta de visibilidade também é um fator limitante para o futebol feminino em Sergipe. Apesar de o Campeonato Masculino acontecer no estádio Batistão, o principal do estado, o futebol feminino sequer terá essa oportunidade em 2024, devido à “indisponibilidade” do estádio, conforme alegado pela FSF.

A ausência de apoio financeiro e de políticas públicas voltadas para o fortalecimento do futebol feminino em Sergipe é um reflexo de uma questão maior: a falta de prioridade institucional. Para o presidente da Federação, a busca por suporte e apoio deve vir da Seel em parceria com as prefeituras para um melhor desenvolvimento da modalidade. O presidente também enfatiza que não é dever da FSF buscar patrocínio para os jogos. “É a equipe que tem que buscar esse patrocínio ou ter a condição para poder participar do campeonato. Se não tem condição, não participa.” acrescentou.
Durante a reunião entre a Federação Sergipana de Futebol (FSF) e os representantes dos clubes, foi informado que a Secretaria de Estado de Esporte e Lazer de Sergipe (Seel) não forneceria transporte para os times participantes. Em resposta, a Seel declarou para o Jornal da Cidade que, até o momento da publicação desta reportagem, não havia recebido nenhum ofício da FSF solicitando apoio para a realização do Campeonato de Futebol Feminino..
“É cansativo. Estamos sempre lutando por espaço”, disse a atleta do Confiança, Camile Araújo.
A falta de visibilidade e apoio ao futebol feminino não é uma questão exclusiva de Sergipe; ela reflete uma realidade nacional. Contudo, enquanto outros estados começam a investir e apoiar a modalidade, Sergipe ainda deixa suas atletas à mercê de um sistema que prioriza o futebol masculino em quase todos os aspectos.
Após ser questionada sobre o que pode ser feito para melhorar a modalidade no estado, a secretária informou que já existe um diálogo com a bancada parlamentar em busca de emendas destinadas ao futebol feminino. “Sabemos das dificuldades. A gente tem dado todo o suporte, mas como eu falei anteriormente, a gente não consegue abraçar todas as categorias, todas as modalidades”, concluiu.
Jogar por paixão
Apesar do talento e dedicação, as jogadoras de futebol feminino em Sergipe não se reconhecem e não são reconhecidas como atletas profissionais. Isso porque é difícil desenvolver habilidades em um cenário tão limitado. Segundo a atleta do Lagarto F.C, time que está fora das competições de 2024, Tatiana Alcantara, as meninas que praticam o esporte não apenas jogam futebol, elas trabalham, estudam, cuidam de casa e dificilmente conseguem se profissionalizar sozinhas, sem nenhum incentivo. “As meninas não conseguem sobreviver de futebol aqui. A gente joga só por amor”, lamenta Tatiana.
O equilíbrio entre o futebol e outras ocupações para essas atletas não é novo. Sem remuneração ou contratos profissionais como os jogadores, as mulheres precisam driblar para conciliar estudo e emprego com o futebol. Sem estrutura e apoio financeiro, elas dependem da boa vontade de amigos, familiares e, em alguns casos, de campanhas nas redes sociais para arrecadar fundos.

No menor estado do Brasil, muitas jogadoras de futebol feminino participam dos campeonatos por puro amor ao esporte, sem qualquer expectativa de remuneração ou premiação. A falta de investimento cria um cenário onde as atletas não têm transporte para os jogos, treinam com equipamentos escassos e lidam com a constante insegurança em relação ao futuro da modalidade.
A dificuldade vai além das quadras e campos. Tatiana relembra os obstáculos enfrentados, especialmente relacionados à infraestrutura e transporte nos campeonatos sergipanos femininos. “Sempre foi nós por nós. A gente se virava para jogar, dificilmente com apoio de alguém. Sempre foi assim”, disse a atleta.
Campeonato 2024
O Campeonato Sergipano de Futebol Feminino de 2024 é composto por seis times: Socorro Sport, Barra F.C., Confiança, Estanciano, Juventude e Força Jovem. Todos receberam cinco bolas da FSF.
O bi-campeão feminino, Estanciano, optou por sair da competição antes do início dos jogos, nesta quinta-feira (21), após problemas no sistema de registro do clube e às novas regras da competição, que impedem a participação de jogadoras sub-17, apesar das atletas já estarem registradas no BID do clube.
De acordo com a presidente do Estanciano Feminino, Natali Coimbra, houve uma tentativa de continuidade na competição, já que o regulamento permitia inscrições a qualquer tempo, mas o sistema do clube ainda não havia sido desbloqueado, impossibilitando a inscrição de novas jogadoras. “Diferente do congresso técnico, nos foi informado que não poderíamos inscrever as meninas do sub-17, o que tornou inviável nossa participação”, explicou Natali.
Com a desistência, a competição seguirá com cinco times, com os pontos da desistência do Estanciano considerados como vitória por W.O. e distribuídos entre as equipes restantes.